terça-feira, 23 de setembro de 2014

ARTIGO: Sobre um Brasil que não chora

Um dia desses, assistindo ao discurso de uma liderança política histórica do Rio Grande do Sul, fiquei com os olhos marejados. Talvez porque aquilo que era dito traduzia com muita autoridade o sentimento de desconforto da sociedade brasileira com o caráter da política e as oportunidades que se abrem para renová-la, desde as jornadas de 2013. Ou, então, porque ao ouvi-lo, lembrei-me do quanto lutamos pela redemocratização do País e pelo fato de estarmos juntos, de novo, num grande movimento social para democratizar a democracia.

Então, de olhos marejados, assisti ao orador chorar, como se fora uma lição de que nos momentos decisivos da história as lágrimas podem servir para lavar a alma e a camisa, cujas mangas arregaçadas encorajarão muitos outros a promoverem mudanças. Olhando assim, chorar é uma demonstração de coragem.

Não há dúvidas de que a aventura humana alcançou o século XXI porque, ao longo de 3 milhões de anos, o homo sapiens aprendeu a ter medo, a sorrir e a chorar. Medo para antecipar e lidar com o perigo. Sorrir para demonstrar ao outro sua satisfação em conviver. E chorar para denunciar a fome, a dor, a injustiça, a emoção e fazer o luto. Foi com essa disposição para aprender que dominamos a natureza e nos distinguimos das feras.

Mas é verdade, há um Brasil que não chora, a exemplo de tantas outras partes de países que também não derramam lágrimas, ocupadas com seus interesses privados e cujo apartamento dos assuntos públicos dá sobrevida a alguns políticos insensíveis aos seus problemas.

É um Brasil profundo que não mostra seu rosto, mas que vira as costas à violação dos direitos humanos nos presídios; que desdenha da pobreza e diz “não é comigo” diante da violência, dos preconceitos, da corrupção e qualquer outro meio utilizado para ocupar o Estado e nele permanecer, sem medo e com os olhos áridos.

Talvez por tudo isso meus olhos tenham ficado marejados. Pois sei que existe outro Brasil que se emociona com uma vila regularizada, com o acesso à educação, à saúde, à cultura e com governos interessados no bem-estar coletivo.

Este Brasil tem medo, mas vai para as ruas. Sorri a cada nova mudança. E chora quando arregaça as mangas limpas e põe as mãos à obra. Esta é a melhor parte do Brasil.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O VELHO E O VELHACO: SIMON E LULA

O velho é uma expressão que nos países desenvolvidos guarda um profundo significado de sabedoria, que conjuga conhecimento e experiência. Os "mais velhos", como é comum ser dito, devem ser consultados, ouvidos e, na política, a eles são destinados os principais postos no Estado.

Em Roma, o lugar deles era o Senado. Em Esparta, o Conselho dirigente. Nas democracias modernas, também o Senado, além das diversas formas de chefia de Estado.

Churchill já era um velho de quase setenta anos, quando injetou uma nova coragem no povo britânico, ao proferir a célebre frase que mobilizou "o sangue, o suor e lágrimas" de toda nação.

Poderia lembrar aqui de Roosevelt, Getúlio Vargas e mais recentemente de Fernando Henrique Cardoso. São muitos os que dedicaram sua velha experiência e sabedoria para inovar na política.

Quero falar também de Pedro Simon, senador da República que, aos 84 anos, viveu os grandes acontecimentos do Brasil contemporâneo e ainda ocupa a tribuna, no Senado, seja onde for, injetando sangue novo na política do país. E hoje, sabemos, sangue novo é afastar de vez a velhacaria do nosso cotidiano, dos nossos governos, do Estado brasileiro. Para isso, dedica toda sua experiência e sabedoria ao que representa de novo a candidatura de Marina Silva a presidência da república.

Em território gaúcho, no dia 18 de setembro, na semana em que Bento Gonçalves e seus duzentos farrapos deram início à revolução farroupilha, em 1835, o ex-presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva, debochou de Pedro Simon. Foi em Caxias do Sul, terra de José Ivo Sartori. Disse Lula:

"Ela fala em nova política e se aliou com o senador Pedro Simon. É uma nova política extraordinária".

Como toda vida pública de Pedro Simon é reconhecidamente marcada pela lisura pessoal e ética pública, Lula fez uma velhacaria com sua idade.

Velhaco é aquele que é manhoso, traiçoeiro, devasso, esperto, patife, libertino. O leitor pode escolher qual a característica que se encaixa melhor no ex-presidente, depois desta agressão.

Mas os velhos são sábios. Aqueles que fizeram história na política, com palavras e realizações que contribuíram para a consolidação da democracia e resistência contra sua degradação ética, aprenderam o velho adágio, sempre atual: "diga-me com quem andas, que eu te direi quem és". É um adágio que pode definir o que é novo e o que é velhaco na política.

O leitor também pode escolher nas fotos que ilustram este post, quem é o novo...e quem é o velhaco. Simon e Lula. Dois velhos, duas personalidades políticas.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Sartori e a verdade na política

Várias razões são apontadas pelos especialistas como sendo as faíscas que incendiaram o Brasil nas Jornadas de Junho de 2013. Dentre elas, penso eu, o caráter da política e a forma como os políticos a exercem foi a mais explosiva.

Faz tempo, no mundo todo, as pessoas atribuem à política os vícios da mentira e da dissimulação. No coração deste juízo estão as promessas feitas nas disputas eleitorais, para arrecadar votos, e que viram pó - ou tergiversação - depois de abertas as urnas e declarado o vencedor.

Não é por acaso que a atitude de José Ivo Sartori é destacada na coluna de Rosane de Oliveira, na ZH de hoje (Clique aqui para ler). De fato, dizer a verdade na política tornou-se surpreendente. Não deveria.

O ex-prefeito de Caxias do Sul e candidato a governador tomou sua decisão num momento difícil, quando as cartas estão sobre a mesa e uma má aposta pode significar a derrota nas eleições.

O roteiro proposto pela lógica tradicional da política sugeria que Sartori assinasse um documento se comprometendo com o piso do magistério, sem qualquer contrapartida da categoria como, por exemplo, alterações no plano de carreira. Cumprido o roteiro, acumularia alguns votos e jogo jogado. Mas ele não blefou:

"– Os professores têm de oferecer uma contrapartida. Não podem ter só exigências. Isso vai fazer parte da conversa. Onde vamos arrumar o dinheiro? Ou temos todos boa vontade ou vamos ficar nessa postura antiga de continuar com o conflito."

O piso do magistério é o caso típico que contribui para o desprezo nutrido por parte da população com a política. Foi prometido pelo atual governador, mas.....

Com esta atitude, Sartori, um educador, antes de político, passa aos gaúchos e aos demais candidatos o seguinte tema de casa:

"Para resgatar o caráter da política, não podemos ganhar eleições de qualquer maneira".

Parabéns, Sartori!!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

ARTIGO: As cidades como prioridade política

Raymundo Faoro, no seu magnífico Os Donos do Poder, destaca que no Brasil colonial as cidades surgiam numa lógica curiosa, pela qual os habitantes chegavam por último, depois de tudo organizado pelo poder central. 

Feito o povoamento, explorados os recursos, os frutos do trabalho eram embarcados para Lisboa, para o usufruto da corte portuguesa. Para a maioria dos brasileiros, restava a pobreza e um déficit de confiança e coesão social, as duas condições básicas para o desenvolvimento social. 

Hoje, o Brasil é a sétima economia do mundo, mas as 5.570 cidades e seus 202 milhões de habitantes parecem ainda um estorvo aos olhos do poder central, do qual receberam, em 2012, apenas 15% do 1,02 trilhões de reais arrecadados. 

Esta situação não mantém apenas a centralização de poder. Cada vez que um prefeito e um vereador desembarcam em Brasília com o pires na mão, mendigando recursos e emendas parlamentares, andamos em círculos. Porque é o Brasil colonial que se reproduz pelas armadilhas do toma lá dá cá.   
 
Entretanto, é nas cidades que as pessoas vivem. E nelas têm inventado novas formas de sociabilidade e participação nos assuntos públicos. Nelas, as Universidades têm atuado em conjunto com os governos e a sociedade na reforma urbana, nos polos tecnológicos, nas descobertas pedagógicas. 

Nestas eleições, o RS poderia ser inovador nos debates, colocando as cidades no centro da agenda política. Nosso estado já tem prontos os diagnósticos em diversas áreas. Tem também uma rede de atores dispostos a assumir o protagonismo nos processos de desenvolvimento local. 

Paralelo à luta por um novo pacto federativo no Brasil, poderíamos começá-lo no RS, fomentando uma rede gaúcha de cidades sustentáveis, unida em torno de objetivos e metas comuns. Uma rede animada pelo Estado, a partir de convênios celebrados com as prefeituras, garantindo assistência técnica e recursos para fazer frente aos desafios em áreas como da segurança, saúde, educação, mobilidade e empreendedorismo. 

Respeitando a realidade local das cidades, estimulando a autonomia e a cooperação entre elas para alcançar metas comuns, podemos dar um exemplo a todo Brasil. 


Sebastião Melo
Vice Prefeito de Porto Alegre